domingo, 11 de dezembro de 2011

A opinião nos limites da comunicação


A opinião nos limites da comunicação


Em A República de Platão, constatamos uma dura condenação ao sistema democrático ateniense. Ele constatou um problema que se perpetuou por toda a história da democracia: a doxa como critério e seus efeitos perversos.
Este conceito grego, que hoje podemos traduzir por opinião, era utilizado como instrumento pelos sofistas, inimigos da filosofia platônica. Através de um caloroso discurso que envolvia apelo emocional e uma retórica sem muitos fundamentos, esses sofistas controlavam a opinião pública. E quem forma a opinião, em uma democracia, controla a Política. Essa forma de controle nem sempre é racional, por isso não tem comprometimento com a verdade, na visão dos filósofos gregos.
Jean-Jaques Rousseau, em carta ao filósofo D’Alembert, afirmou categoricamente que o homem moderno vive quase sempre alheio a si mesmo. Em sociedade, vivemos muitas vezes sob a ditadura invisível da opinião dos outros. Para o filósofo genebrino, os nossos gostos para comida, roupa, Religião (grifo meu) e parceiros matrimoniais quase nunca levam em consideração o nosso mais profundo e verdadeiro afeto. Na verdade, para o homem burguês civilizado, a verdade sobre si mesmo já não importa mais. A opinião pública é o que determina o que nós devemos gostar ou sentir. A aprovação dos outros é o parâmetro garantidor do certo e do errado. Do que é bom ou ruim para nossas vidas. Por fim, ele afirma categoricamente que é a avaliação do outro, manifestado sob a forma de opinião pública, que define se nós realmente somos felizes. (grifo meu)
No Iluminismo, alguns filósofos como Denis Diderot perceberam não só a importância da opinião pública para a vida pessoal, como também as conseqüências que a recém criação dos panfletos e dos jornais impressos trariam. Perto do término da primeira edição da Enciclopédia, ele percebeu que as verdades científicas contidas nos artigos tinham pouco impacto em comparação aos preconceitos disseminados pelos jornais de sua época. (grifo meu) Afinal, é mais provável que o cidadão leia diariamente um jornal do que um artigo qualquer naquele compêndio. Ele logo percebeu que a razão científica tinha pouca força em comparação ao senso comum legitimado pela “mídia” de sua época. Isso o fez se dedicar ao teatro. As obras teatrais feitas para o grande público tinham muito mais força e influência sobre a vida dos cidadãos e do país do que a Enciclopédia e os jornais juntos. As encenações verbais e visuais têm um apelo muito maior do que o meramente escrito. Esse recurso, segundo ele, é a melhor linguagem para se formar uma opinião pública esclarecida.
Os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, se tornaram provas incontestáveis do quase acerto de Diderot. Quase. O único detalhe, como muito bem nos esclareceu Bertolt Brecht e toda escola de Frankfurt, é que os meios de comunicação nunca se preocuparam em oferecer uma influência esclarecedora e virtuosa. Como a mais importante formadora de opinião do século XX, a mídia se aliou aos dominantes e ao discurso do senso comum para sobreviver. Sua postura e sua linguagem foram essenciais para garantir índices de audiência e de lucro satisfatórios. (grifo meu)
É preciso deixar claro que a opinião pública não é a somatória das opiniões individuais, como muitos meios de comunicação querem fazer crer. As estatísticas sobre a avaliação do governo, dos votos para presidente, das pessoas que gostam de chocolate, do consumo de gordura por habitante ou da satisfação com o matrimônio não revela em nada sobre o que cada um realmente sente ou pensa. Os nossos gostos já estão pré-definidos na tabela enviesada que constitui os formulários de perguntas feitas aos entrevistados. Um punhado de gente que seria, em teoria, representante de milhares de pessoas.
A opinião pública antecede a opinião individual. Mais do que isso, ela constitui o que cada um de nós pensa a respeito de um determinado assunto. Como podemos saber se o governo de Hugo Chávez é bom ou ruim se nós não moramos na Venezuela? Quais são os parâmetros que cada brasileiro tem para avaliar negativamente nossos deputados federais se não acompanhamos o dia a dia do Congresso? Quem realmente sabe quais são as atribuições de um deputado? Como podemos afirmar que Gisele Büdchen é a modelo mais bonita do mundo sem termos a oportunidade de compará-la com todas as outras existentes? Na incapacidade de podermos criar uma opinião própria sobre todos os assuntos relativos à nossa vida, tornou-se essencial compartilharmos a opinião dos outros. Afinal, nunca estamos totalmente certos da validade de nossos gostos e pensamentos e muitas vezes necessitamos do aval do outro para podermos agir “corretamente”. A nossa opinião, fruto de uma socialização, é lógica e cronologicamente anterior ao indivíduo. Quase nunca tem origem, em nossas experiências pessoais com o mundo. Se temos opiniões sobre políticos nacionais e internacionais, sobe modelos, sobre índices de qualidade de vida, sobre o melhor computador ou mesmo sobre os melhores critérios para se escolher um parceiro (sejam eles critérios físicos ou de comportamento) devemos aos valores divulgados pelos meios de comunicação de massa. Sejam elas opiniões explícitas ou disfarçadas como querem os jornalistas, por exemplo. São eles que nos informam opinativamente sobre o mundo. A mídia opina sobre como devemos pensar e sobre como devemos viver as nossas vidas.
                                              
                                                                       (Clóvis De Barros Filho)
(Professor de Ética Da ECA/USP e Conferencista do Espaço Ética.                                                                                          WWW.espacoetica.com.br)
Texto retirado da revista “Ciência e vida” – Filosofia, ano IV, nº 44
Referente à última postagem do blog: “Yawo”.

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